Uma equipa de medicina da conservação, que envolve a UMinho e outros parceiros, está a reabilitar espécies ameaçadas e a acompanhar via satélite o seu regresso ao oceano, parametrizando rotas e hábitos. Há uma boa notícia: as águas de Portugal continental podem afinal ter boas condições para a tartaruga-boba durante todo o ano.
Uma equipa de medicina da conservação, que envolve a UMinho e outros parceiros, está a reabilitar espécies ameaçadas e a acompanhar via satélite o seu regresso ao oceano, parametrizando rotas e hábitos. Há uma boa notícia: as águas de Portugal continental podem afinal ter boas condições para a tartaruga-boba durante todo o ano.
A notícia é desenvolvida no jornal on-line da Uminho NÓS
09-03-2011 | Texto: Nuno Passos | Fotos: SPVS
A tartaruga-boba Hipócrates deu em 2010 à costa com anzóis no pescoço e estômago, tendo que ser operada no Porto de Abrigo do Zoomarine e depois transferida para o centro de reabilitação co-coordenado pela UMinho. A colega Pinipom foi capturada nas redes de pescadores, que por segurança a trouxeram para terra. As duas são jovens (10 a 15 anos) e foram reabilitadas no Centro de Recuperação de Animais Marinhos (CRAM) de Quiaios, na Figueira da Foz, actualmente o único do género no país. A libertação de ambas ocorreu em Novembro, a 11 milhas de Portimão, com apoio da Marinha Portuguesa. Quatro meses depois, pode-se observar via satélite, através dos emissores nas suas carapaças, que os animais estão a realizar rotas diferentes. Hipócrates está ao largo dos Açores e Pinipom infiltrou-se no Mediterrâneo, alvo de mais riscos. Estes répteis percorriam de início 60 a 100 quilómetros por cada três dias, mais tarde centraram-se em pequenas áreas, para descanso e alimentação. Desde a sua libertação, Hipócrates percorreu cerca de 1600 quilómetros (15 por dia, em média), ao passo que Pinipom percorreu perto de 1400 quilómetros (uma média de 13 por dia).
Mapa do percurso de Hipócrates e Pinipom após a reabilitação em Novembro
"É surpreendente ver que Hipócrates inverteu e reduziu o percurso, não seguindo para as águas tropicais a Sul. É um indício de que as nossas águas têm boas condições. Aliás, temos encontrado espécimes na costa de Portugal continental todo o ano", diz José Vingada, professor do Departamento de Biologia da UMinho. O Zoomarine libertou recentemente três espécimes, que também seguiram a crista oceânica. O CRAM solta em breve pelo menos mais três "embaixadoras", com emissores que devem durar um ano e meio.
A grande meta de seguir as "aventureiras" é perceber como elas reagem após um processo traumático (arrojamento/captura, cirurgia, cativeiro, tratamentos, antibióticos), ou seja, se têm sucesso na libertação e seguem a sua vida. Procura-se ainda saber que alimentos e temperatura preferem e como usam o mar português, entre outros aspectos. A investigação envolve os docentes José Vingada, Pedro Gomes e sete (pós-)doutorandos do Centro de Biologia Molecular e Ambiental (CMBA) da UMinho. Junta-se o Centro de Estudos Ambientais e Marinhos (CESAM) da Universidade de Aveiro e a Sociedade Portuguesa de Vida Selvagem (SPVS). A reabilitação é feita no CRAM e os animais são propriedade do Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade (ICNB).
A libertação dos animais ao largo de Portimão, teve apoio da Marinha Portuguesa
Número e extensão de capturas acidentais em estudo
As representantes portuguesas têm página no Facebook e para os fãs assinalarem "gosto disto"? Não, mas podem ser acompanhadas no site SeeTurtle.org, que compila todos os dados de telemetria e medição de tartarugas reabilitadas em curso pelo mundo, graças a um acordo de partilha de informação. O portal tem interesse restrito e conservacionista, pois muitas vezes as espécies vão para águas forasteiras. "Estamos associados a um grande esforço mundial de instituições científicas, académicas e da sociedade civil em seguir os grandes predadores marinhos, desde tartarugas, baleias, tubarões, peixes-luas, espadins, espadartes, considerados ameaçados e emblemáticos", frisa José Vingada. As tartarugas serão as mais acompanhadas e, após a reabilitação, cada uma tem a sua própria reacção no mar, o que gera novas pesquisas. "Ainda falta perceber muito como elas fazem uso dos oceanos", realça o também investigador do CESAM e presidente da SPVS.
Os trabalhos da UMinho incidem no conceito emergente da medicina da conservação, que avalia a saúde das espécies selvagens e os factores dos seus principais perigos. Há teses sobre a estrutura populacional das espécies, a génetica, a dieta, a condição física, as taxas reprodutoras, as cargas de parasitas ou contaminantes e as causas de morte (captura, traumatismo, ingestão de plásticos, poluição, velhice...). A pesquisa nesta área é rara em Portugal, por isso os académicos pretendem determinar o número e a extensão de capturas acidentais, definir as zonas preferenciais das tartarugas-boba para restringir as actividades humanas e apostar na educação ambiental, especialmente das povoações costeiras - se, ao comer, a tartaruga confunde uma alforreca com um plástico, arrisca-se a uma morte lenta.
Tartaruga de couro em reabilitação no CRAM
As águas portuguesas recebem cinco das oito espécies de tartarugas, sendo a boba a mais frequente. Todas estão protegidas pelos acordos de Bona, de Berna e do CITES, sendo proibida a sua captura, cativeiro ou comercialização. Quase metade da população mundial da tartaruga-boba (ou tartaruga-careta) nidifica no golfo do México e faz a migração pelo Atlântico em direcção aos Açores, Mediterrâneo e costa de África. Contudo, o número de ninhos caiu 40 por cento nas últimas décadas, muito devido à pesca acidental e captura de ovos. Neste último caso, os cientistas recomendam alterações nos aparelhos piscatórios, na altura do dia em que são postos na água e recolhidos e no tipo de isca. A protecção daquelas tartarugas é uma tarefa árdua nas águas que circundam as ilhas nacionais, após a UE ter liberalizado a pesca entre as 100 e 200 milhas (antes pertencente aos Açores), tendo aí forte pressão dos barcos estrangeiros, com aparelhos de palangre de superfície.